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terça-feira, 25 de julho de 2017

O Bolo – Conto - Uma reflexão sobre a invisibilidade no cotidiano das pessoas.


O Bolo
Conto
De Darcy Brito

Uma reflexão sobre a invisibilidade no cotidiano das pessoas.
                                                        

Aquela era uma casa que qualquer um gostaria de morar. Um lar aparentemente harmonioso, família que desfrutava das mais divertidas festas caseiras, até mesmo os empregados pareciam felizes e participavam das conversas animadas dos fins de semanas à beira da piscina, onde parentes e amigos se reuniam. Tudo corria na mais tranquila ordem. Problemas havia, mas nada que não pudesse ser resolvido da melhor forma. Pai, mãe, filhos e netos, sempre almoçavam e jantavam juntos e as conversas na hora das refeições eram alegres.
Tudo isso era possível graças a uma pessoa que fazia as coisas girarem, assim como os planetas giram em torno do sol. A energia necessária, que mantinha o equilíbrio, vinha dessa estrela maior, sem que ninguém percebesse a importância do seu brilho. Até que um dia.......

Onde está a estrela?

- Ela foi ao supermercado – Mas já passam das duas da tarde! - Coisa estranha - Telefone para o celular dela. - Já telefonei, está fora de área. Esquisito, hoje é sábado e ela sabe que a casa estará cheia – todos falando ao mesmo tempo.

Aos poucos os planetas foram ficando fora de órbita.  Cautelosos, evitavam desesperar uns aos outros.
A cozinheira, querendo adiantar o lado dela, perguntava: posso servir o almoço?
- Não pode. Não vê que estamos preocupados? – disse o pai
- Outro dia você também demorou de chegar e minha mãe ficou aflita, pensando no pior, e o senhor deu uma desculpa esfarrapada, lembra? É bom que o senhor sinta na pele o que ela passou naquele dia – disse o filho do meio.
- O que você está insinuando, rapaz? – disse o pai.
- Nada, nada.
- Eu sei o que o mano está insinuando, pai – disse a filha.
- Então fale.
- Melhor não. Já passou - disse a filha fazendo gestos de desconfiança contraindo a boca.
- Até parece que você é uma santinha – disse o pai insinuando algo.
- Não estou entendendo, pai, seja claro.
- Não é preciso.
O telefone tocou e todos correram ao mesmo tempo:
- Alô! - disse aflito o pai.
- Aqui quem fala é o sequestrador de sua mulher.
- Deixe de brincadeira. Quem está falando?
- Já disse. O sequestrador.
- Você está mentindo, como sabe que eu sou o marido de alguém? Isso é golpe.
- Estou no “viva- voz”,  ela confirmou que era o senhor.
- Quero falar com ela.
- Impossível. Só depois do resgate – disse o sequestrador.
- Seja lá quem você for, deixe de brincadeira.
- Brincadeira de cinco milhões, é o preço.
-  Quanto?
- Cinco milhões – disse o bandido.
- O quê? Não tenho essa quantia, seu idiota.
- Sua mulher vale muito mais.
- Diga com que roupa ela está. Quero ter certeza se é ela.
- Calça azul, blusa branca de malha, com manga comprida.
- Espere um pouco. – Vocês sabem com que roupa sua mãe está hoje? Perguntou o pai baixinho para os filhos, segurando a boca do telefone.
-Não, não reparei – disse a filha.
- Também não – disse o filho. – pergunte para a cozinheira.
- A cozinheira já foi, nem ligou pra nada - disse o neto com raiva.
- Pai - disse o filho mais velho – Pergunte a cor do cabelo dela?
- Preto – respondeu o sequestrador.
- Preto?- Não é ela – respondeu o pai.
- Vocês nem sabem a cor do cabelo da criatura. É preto sim.
- Como é o nome dela seu bandido, responda, ou então, ponha ela no telefone. Você está blefando.
- Ela disse que é Esmeraldina.
- O quê?
- Você ligou errado, a seqüestrada pertence à outra família, vou desligar - disse o marido aliviado.
O telefone voltou a tocar. Os planetas se aglomeraram perto do telefone
Agora foi o filho mais velho quem atendeu.
- Alô!
- É o sequestrador. Quem fala?
- É o filho dela, ou melhor, é o provável filho se realmente for ela minha mãe.
- Se eu fosse sua mãe não voltaria mais pra junto de vocês. E se eu tivesse uma mãe que nem ela teria mais consideração. Vocês nem sabem o nome dela, que absurdo – disse o sequestrador.
- Pergunte a ela como é o meu nome e dos outros filhos.
- Ela disse que é Marcos, Luana, Roberto e o neto filho da filha, é Diego. O marido chama-se Frederico.
- Pai! – gritou o filho aflito – É ela, sim. Ele disse o nome de todos.
- Ele está blefando, meu filho. Aposto que procurou saber o nome da gente antes de armar essa. Só acredito quando ela falar comigo no telefone, diga pra ele.
- Ela está tão decepcionada que nem quer falar com vocês – disse o seqüestrador.
- Se realmente fosse ela, jamais iria negar falar com um de nós- disse o filho.
- Quer saber de uma coisa? – disse o seqüestrador – agora quem não quer sou eu. Não vou devolver ela a vocês. Eu nunca tive mãe, fui criado em orfanato, vou ficar com a mãe de vocês pra mim.
- Com essa mãe você pode fica, a minha é outra - disse o filho.
- Então, não vou ligar mais.
Algumas horas se passaram e nada de notícias nem retorno da estrela. O silêncio da campainha do telefone parecia pirracento. Nem ao menos tinha um identificador de chamadas para uma eventual ligação de retorno. Os planetas com suas órbitas alteradas começaram a se dar conta de que não existe nada mais presente que uma ausência e, em se tratando de uma estrela, a ausência era de luz e de brilho. Ninguém sabia mais em que posição estava e onde estavam as coisas antes tão rotineiras.
- Temos que agir o mais depressa possível – dizia o marido.
- Que vamos fazer?- perguntava o filho do meio.
- Acionar a polícia não é recomendável, por enquanto – dizia a filha.
- Sem a polícia não poderemos fazer nada – disse o filho mais velho.
- Vovô, a vovó tem cabelo preto sim. Ela pintou ontem e me perguntou se eu gostei e se estava bonita.
- Verdade meu filho? Perguntou a mãe do garoto olhando para o pai de soslaio.
- Alguém mais notou alguma mudança na mãe de vocês?
Nisso, a empregada retornou. Havia esquecido as chaves do portão que sempre usa na segunda-feira de manhã cedinho.
- Ainda não sabem do paradeiro da patroa? – perguntou admirada a cozinheira.
- Ainda não. E tem um cara se dizendo seqüestrador dela.
- E aí gente, que vão fazer? A empregada pôs as mãos nas cadeiras e acrescentou – Vocês estão muito tranqüilos para um caso tão sério.
- Ele está blefando. Disse que o cabelo dela é preto, imagine – falou o filho mais velho.
- E qual é a cor do cabelo da patroa, vocês sabem?
- Qualquer uma, menos preto – disse o marido.
- Está preto sim senhor – disse a empregada.
- Cooooomo!!   Os planetas chocaram-se.
- Ontem ela foi ao cabeleireiro e voltou com ele preto. Até me perguntou se estava bom. Vocês não notaram?
- Nossa, pai, e agora? Disse a filha.
- E quem é Esmeraldina, vocês sabem? Esse foi o nome que o seqüestrador disse ser dela – falou o pai.
- Só faltava essa, vocês não saberem o nome da criatura – disse a empregada.
- Rosa é bem diferente de Esmeraldina, não acha? Disse o filho do meio.
- Vovô, uma vez, na loja, eu vi a vovó escrevendo esse nome aí numa ficha.
O marido pareceu desmaiar e todos correram para acudi-lo.
- Corre criatura, disse a filha, vai buscar uma água com açúcar !
- Não precisa, foi apenas uma ligeira queda de pressão – disse o pai já refeito.
O telefone voltou a tocar.
- ALÔÔÔ! Gritaram aflitos, todos segurando o telefone, uma mão em cima da outra.
- É tio Ribas querendo saber se a mãe depositou o dinheiro que ela prometeu na conta dele – disse a filha.
- Diga que vá pro inferno. Nós aqui aflitos e esse sujeito querendo dinheiro da irmã que até gora não chegou.
- Mas ele não está sabendo de nada, pai – disse o filho do meio.
-É bom que não saiba mesmo, senão vamos perder o controle da situação – disse a filha.
- Se realmente ela foi seqüestrada o bandido vai telefonar de novo – a empregada falou cheia de propriedade.
- Mas, ele falou que não vai mais ligar – disse o neto. Se ele ligar diga que eu quero falar com ela pra saber se comprou o tênis que me prometeu.
- Isso é lá hora de você pensar nisso, interesseiro? – disse o avô.
- Ele é criança, pai - disse o tio mais velho beijando a cabecinha do interesseiro.
Nisso o celular do avô tocou escondido, dentro do bolso.
- Atenda pai, pode ser o bandido – o senhor está pálido!
- Não é nada, é que me assustei com o toque alto.
- E quem era, por que desligou? Falou a filha desconfiada da palidez.
- Ninguém. Desligaram – disse o pai coçando o nariz e franzindo a testa.
- Tocou de novo, vovô. Acho que é a vó querendo falar.
- Não é, não, e vou desligar essa droga.
- O quê! Numa situação dessa e o senhor quer se dá ao luxo de desligar o celular? Quem é a fulana? – disse a filha.
- Que fulana – perguntou o pai se fazendo de desentendido.
- Então me dê que eu atendo. Parece que está com medo!
- Deixe de insinuações maldosas, esse não é o momento para desconfianças. Não vê que estou nervoso?
A empregada revirou os olhos e disse:
- Fui. Se a patroa aparecer diga que segunda-feira vou chegar mais tarde. Tenho médico.
 - Nada disso – disse o patrão aflito. E quem vai por o jantar hoje, se sua patroa não chegar a tempo?
- Ninguém. Se a mãe não aparecer vamos todos à delegacia mais próxima dar queixa do desaparecimento, acho que ninguém terá apetite, pai – disse o filho mais novo.
- Ela não foi sequestrada. Talvez quisesse espairecer e resolveu ficar até mais tarde, quem sabe?
- Então vocês brigaram. Por isso, essa sua certeza de que ela vai voltar – disse a filha. Deve ter a ver com essas ligações misteriosas.
- Não houve briga nenhuma, e deixe de acusações.
                A campainha tocou. Até então a situação estava sobre controle. Ninguém acreditava que realmente houvesse um seqüestro, mas....
-Quem é? Perguntou a filha pelo interfone.
- É da doceria, vim trazer a encomenda do bolo.
- Bolo! Que bolo? Gritou a filha na boca do interfone, toda nervosa. Alguém aqui encomendou algum bolo? Que dia é hoje? Não é aniversário de ninguém. Não é aqui.
- Vai lá, filha, pergunte quem encomendou.
Um bolo de dois andares, rosa e branco com um casal de pombinhos se beijando.
- Em nome de quem está a encomenda, senhor?
- De dona Rosa Maria Esmeraldina Alves da Costa.
- Que brincadeira é essa?- Perguntou incrédula a filha quase sem voz, lendo o recibo com o preço, endereço e o nome do destinatário.
- Já está pago?
- Não, senhora. Ela disse que estaria aqui no horário da entrega.
- E quanto é?
- Trezentos e cinquenta reais. Está na nota.
- Isso tudo!
- Bolo de aniversário de casamento é mais caro.
-Paaaaiiiiiiii !  -gritou a filha agora irritada.
- O que foi? Que gritos são esses? Falou o pai olhando o bolo sem entender.
- Em que dia vocês se casaram?
- Vocês quem?
- Você e a mamãe, lógico.
- Não lembro, faz tanto tempo!
- Bem feito, castigo de Deus – disse a filha se isentando do merecimento.
- Bem feito por quê? Perguntou o pai.
O entregador olhando, espantado, a discussão dos dois, e segurando o bolo, sem entender nada, falou: ainda tenho três encomendas para entregar, é aqui ou não é?
- É, sim, mas ela ainda não chegou – disse a filha.
- O bolo fica, ou não fica? – perguntou o entregador já apoiando o bolo em cima do teto da Van.
Enquanto isso, o neto aproximou-se:
- Olha aí mãe, foi isso que ela assinou, eu vi.
- Viu o quê, meu filho?
- O nome que o seqüestrador falou, olha aí escrito: ESMERALDINA.
- Onde? Gritou o avô.
- Aqui: Rosa Maria Esmeraldina Alves da Costa – o neto apontava com o dedo indicador a palavra chave do seqüestro.
Desta vez todos ficaram mudos olhando-se mutuamente, já que os outros dois filhos tinham se aproximado, também, do recibo.
- É verdade pai – disse o filho mais velho de queixo caído. Ela tem Esmeraldina no nome.
- Mas ninguém lembrava, nem eu nem vocês.
- Por gentileza – falou o entregador – é aqui ou não é?
- Calma, amigo, precisamos nos refazer do susto – disse a filha desolada, olhando o bolo em cima do teto da Van, que agora parecia uma lanchonete ambulante.
- Susto? Não estou entendendo. Por acaso vocês estavam pensando que eu era um assaltante? Eu teria puxado uma arma logo que o primeiro abrisse o portão.
- É isso. Ele pode está a mando do tal sequestrador e veio confirmar o nosso endereço. Talvez tenha uma bomba nesse bolo.
- Não delire, pai. Está assustando o rapaz!- Disse a filha.
- Sequestrador? Bomba? Tô fora. – O entregador arrastou o bolo do teto, largou-o no chão, engatou a primeira e saiu cantando pneu, levando o recibo.
Todos ficaram perplexos olhando a Van se afastar. Depois, agacharam-se e pegaram o bolo no chão, levando para dentro de casa. No puxa-puxa, o casal de pombinhos caiu, lembrando um monumento de um regime antigo, de governo, derrubado.
O telefone tocava desesperadamente e ninguém se decidia por atender. - Vá você, pai – dizia a filha. - Não tenho condições- dizia o pai - Não atenda, vamos chamar a polícia- dizia o filho do meio.
Logo depois chegou quem não estava sendo esperado. O afilhado de Esmeraldina.
-Oi, pessoal! Ninguém atende ao telefone nesta casa? Deixem que eu atendo.
- NÃÃÃO! Gritaram todos
- Por que não? E a tia onde está? Vocês estão estranhos! Que bolo é esse?
- Nossa! Quantas perguntas – o pai falou irritado.
O telefone parou de tocar.
- Sua tia ainda não chegou, estamos preocupados.
- A que horas ela saiu?
- Pela manhã. Disse a filha
- E não telefonou?
- Não, mas acho que ela está com o celular descarregado, como sempre. Falou o filho mais velho piscando o olho para o pai.
- Ela deixou a minha encomenda?
- Que encomenda? Perguntou o marido.
- Ela mandou que passasse aqui, hoje. Se não deixou, tudo bem. Mas até agora? Ela não costuma fazer isso. Será que foi seqüestrada?
- Você está sabendo de alguma coisa?
- Não sei de nada, tio. Apenas estou especulando. Por que iria saber? E o telefone? Por que não atenderam? Achei vocês assustados, quando cheguei. E o bolo? É aniversário de alguém?
- Ninguém sabe de quem é o bolo – disse o garotinho.
O telefone voltou a tocar.
- Pai! Precisamos atender, não temos nada a temer.
- Sinto muito, mas eu vou atender- disse o afilhado: - Alô!
- É da doceria, a respeito do pagamento.
- É da doceria, quem atende?
- Eu - falou o pai -  Diga onde fica a doceria.
- Tem certeza que vai querer ter esse trabalho? A doceria é muito longe.
- Onde? – Insistiu.
- É que meu patrão não sabe que eu perdi a nota e, se o senhor vier, ele vai perguntar por ela.
- Mas o importante é o pagamento. Ele deve ter a cópia.
- Não tem cópia. É recibo sem fiscalização, firma não registrada.
- Então nada feito, o bolo vai ficar sem pagamento. Desligou o telefone.
- Aí tem coisa, tio. Ele não quer dar o endereço. Vocês anotaram o número da Van?
- Nem vimos quando ele arrastou o carro. Ficou com medo quando falei em seqüestro – disse o tio.
- Ah! Então vocês estão achando que ela foi seqüestrada- falou o afilhado.
- Não achamos nada, apenas estamos preocupados com a demora. Mas tem um sujeito telefonando dizendo ser o seqüestrador dela, disse o filho mais velho.
- Claro que está havendo alguma coisa e vocês estão com medo de admitir. Isto só servirá para agravar a situação. Vamos acionar a polícia.
- Também acho. – disse a filha.
- Você estava com sua avó, quando ela encomendou o bolo, filhote?
- Não, foi na loja de roupas, mãe. Ela comprou uma calça e uma blusa e escreveu numa ficha que a moça deu pra ela.
- Esse bolo deve ter sido encomendado bem antes, falou a filha.
- Vamos ligar para a polícia disse o afilhado.
- Tudo bem. Concordo. Afinal já passa das nove da noite – disse o marido, ofegante.


Na Delegacia:

-Boa noite, seu delegado. Viemos dar uma queixa de desaparecimento.
-Boa, noite. De quem se trata?
Todos falando ao mesmo tempo.
- Minha mãe; minha mulher; minha madrinha
- Um de cada vez, por favor- disse o delegado
- Fale pai.
- Minha mulher está desaparecida desde hoje pela manhã.
- Mas isso não significa que ela esteja desaparecida. É pouco tempo.
- Mas ela não costuma demorar tanto quando sai. E recebemos um telefonema de um sujeito dizendo ser o seqüestrador dela.
- E aí, o que foi que ele disse?
- Que queria cinco milhões.
- E o senhor que respondeu?
- Que não estava acreditando e que não tínhamos essa quantia.
- E depois?
- Pedi para falar com ela, mas ele disse que não. Pedi as características dela e achei que não estava coincidindo. Depois fiquei sabendo do pessoal de casa que ela havia mudado a cor do cabelo que eu não havia reparado. Achei que o nome, Esmeraldina, não era o dela, mas ficamos sabendo que na assinatura dela tem esse nome também, acho que era nome de solteira.
-E o senhor sabe o nome dela todo, pelo menos?
- Para mim era Rosa Maria Alves da Costa, não me lembrava do Esmeraldina.
- Tem certeza que sua mulher não estava aborrecida com alguma coisa?
- Não estou entendendo.
- O senhor não reparou a mudança de cor do cabelo dela, não lembrava do Esmeraldina, no sobrenome, e que mais?
- Posso falar? Perguntou a filha.
- Pode senhora – disse o delegado com os braços cruzados e recostado na cadeira.
- Recebemos uma encomenda de um bolo de aniversário de casamento, hoje, e ninguém se lembrava da data, nem meu pai.
- E qual a data de aniversário do seu casamento com dona Esmeraldina?
- Entenda seu delegado, homem não se liga nessas coisas.
- E se liga em quê?
- Nas coisas práticas. No trabalho, ganhar dinheiro, educação dos filhos, alimentação etc..
- Por acaso, no etc., inclui um chopinho com amigos, futebol, puladinhas de cerca?
- Sou um homem sério.
- Não duvido. Mas a minha experiência me diz que sua mulher se seqüestrou.
- Como!
- Deu uma lição em vocês todos. Garanto.
- E o tal seqüestrador que falou no telefone?
- Armação dela.
- Não acredito senhor delegado. Ela jamais nos deixaria numa situação dessas. É muito preocupada com todos. Uma mãe dedicada, uma avó carinhosa, uma profissional responsável, uma pessoa honesta, e, nem vou falar como dona de casa.
- Está faltando uma observação importante por parte do senhor marido – disse o delegado.
- Não estou entendendo.
- Nem poderia. Estou falando dela como mulher. Da vaidade feminina, dos desejos e anseios, da satisfação no casamento. Por acaso o senhor saberia me dizer algo a respeito?
- Não vim aqui me confessar. Vim prestar uma queixa e o senhor tem obrigação de investigar.
- É o que estou fazendo. Quanto foi mesmo o pedido de resgate?
- Cinco milhões. Ela sabe que não tenho essa quantia.
- Melhor razão para deduzir que ela armou o seqüestro. Pediu uma quantia muito além das suas posses para deixá-lo aflito.
- E se o senhor estiver enganado?
- Vamos esperar outra ligação do possível seqüestrador.
- Ele disse que não vai mais ligar e que vai ficar com ela, já que não tem mãe.
- Ah! Ah! Ele falou isso? Volte para casa e se acalme. Ela está bem, com certeza.
- Não senhor. Estou dando uma queixa de desaparecimento, estamos todos aflitos.
- Tudo bem. Ao menos tem uma pista, onde ela costuma ir?
- Aos sábados às vezes vai ao supermercado. Durante a semana, segunda, quarta e sexta feiras divide um escritório com uma amiga. Contabilidade, imposto de renda, consultoria etc. Mas o senhor pode começar pelo bolo de aniversário de casamento.
- De que forma?
- Não sei. Ela deve ter encomendado numa doceria, ou quem sabe a doceria pertence ao seqüestrador.
- O senhor tem a nota da doceria?
- Não. O entregador arrastou a Van quando falei em seqüestro e levou a nota.Depois telefonou pedindo a quantia do pagamento do bolo, dizendo que iria buscar. Aí.....
- Vamos com calma. Vocês pagaram o bolo?
O afilhado pediu a palavra.
- Pedimos o endereço da doceria e o entregador não deu, alegando que perdeu a nota e o patrão não poderia saber.
- Que história mal contada - disse o delegado. O que vocês falaram para o entregador que o motivou a arrastar a Van?
- Não estávamos entendendo o porquê do bolo, então disse: e se ele for o seqüestrador? Com medo, ele falou: tô fora, e arrastou - O marido explicou fazendo gestos rápidos com as mãos como quem engrena uma terceira marcha no ar.
- Bem, quando o rapaz telefonar, diga que vá buscar a quantia referente ao bolo. Eu estarei lá para investigá-lo. E parem de fazer trapalhadas.
- E se ele não telefonar? Minha mulher pode estar correndo perigo.
- Minha experiência diz que não – o delegado falou com muita segurança, dando dois toques com a caneta na mesa.
De volta a casa, todos diante do bolo.
- Acho que o delegado tem razão – disse a filha. Esse bolo é um recado.
- Recado de quê? Perguntou o pai.
- O pouco caso, o desprezo, a indiferença, a insensibilidade de todos nós, é a receita deste bolo. Vamos ter que saborear o doce amargo dos ingredientes para sentirmos os seus efeitos colaterais – disse a filha.
- Ela sabe que todos nós a amamos.
- De que forma? Alguém perguntou se ela estava feliz com esse amor?- o filho do meio falou ajeitando os dois pombinhos no topo do bolo.
- E se estivermos especulando errado? Ela corre o risco de ser morta pelo seqüestrador.
- Se a vó morrer, quem vai responder minhas perguntas?
- Que perguntas, filhote? Falou a mãe do netinho de Esmeraldina.
- Todas. Por acaso vocês sabem de onde vem a palavra higiene?
- Não. Disse a filha de Esmeraldina.
- Pois é. Ela sabe.
- E de onde vem, garoto? Falou o tio mais velho.
- Vou buscar meu dever da escola que fiz ontem com ela.
O menino correu até a sala de televisão e voltou trazendo um caderno “dez matérias”, com o Superman na capa, e leu: a palavra é de origem grega e vem de Higea, deusa da saúde.
A filha não conteve as lágrimas e o marido de Esmeraldina pegou o caderno e continuou examinando os deveres escolares do neto.
- Todos esses deveres foram feitos com a vovó, meu filho?
- Foram. Esse, da deusa, foi ontem. Eu disse que ela era a Deusa Higea e ela achou graça.
- Você tem razão, ela é uma Deusa – falou o avô beijando o cocuruto do neto.
 A campainha tocou. Eram dez horas e dez minutos da noite.
- Deixe que eu atendo - falou o filho mais velho.
- Boa noite, senhor, é da farmácia. Aqui está o remédio e o troco para cinqüenta.
- Quem encomendou remédio? Perguntou o filho mais velho de Esmeraldina.
- Deixe-me ver- “antialérgico” - leu o marido espirrando. É o que eu tomo. Hoje, pela manhã, antes do café, ela disse que iria pedir pelo telefone esse remédio que eu costumo usar quando minha rinite ataca.
O motoqueiro perguntou: - tudo certo, senhor?
- Nada mais está certo nesta casa – disse o marido com um peso nas palavras. E pagou a encomenda antes que as dívidas se acumulassem - Minha esperança é que o delegado tenha razão.
-Façamos o seguinte – falou a filha fingindo alegria – Vamos colocar uma toalha bem bonita na mesa, colocar o bolo no meio e esperar seu retorno. Acho que ela está apenas nos pregando uma peça.
A filha foi até o armário, pegou a melhor toalha e forrou a mesa. Ao pegar o bolo surpreendeu-se com o seu peso leve, que antes não havia notado. Enfiou um garfo na base, atravessou a glacê rósea, e sentiu uma resistência. O garfo não foi adiante. Enfiou mais acima e o mesmo aconteceu.
- Gente! Não é um bolo de verdade. É só armação, aparência.
- O quê? Isso é grave – disse o filho do meio.
- O que será que tem dentro? – Perguntou o pai.
- Vamos telefonar para o delegado. Falou o filho mais velho.
-Isto não é assunto para delegado, é para psicólogo, analista – disse a filha.
- E se tiver uma bomba? – falou o pai.
- Minha avó não é terrorista.
O telefone tocou. Todos pularam de susto. O afilhado atendeu.
- Alô, é o delegado! Alguma novidade do seqüestro?
 - Sim. O bolo é oco.
- Que bolo?
- O do aniversário do casamento – disse o afilhado.
- AH! Então estou certo. Isso traduz tudo.
O marido toma o telefone:
- Alô, seu delegado?
-- Sim, pode falar.
- Tá na hora de o senhor parar com suposições e entrar em ação.
- O senhor está sabendo que se a própria seqüestrada forjou o seqüestro ela vai ter que responder processo?
- Não podemos ficar nessa incerteza, seu delegado. Seja o que Deus quiser.
- Tudo bem. Entrarei em ação.
Enquanto isso, na casa da seqüestrada os planetas alinhados se entreolhavam, ávidos para se acusarem mutuamente. Ninguém tinha coragem de atirar a primeira pedra. Até que...
- A mente humana é mesmo misteriosa - falou o marido olhando para o bolo. Nunca pensei que a mãe de vocês iria me presentear com um bolo de aniversário de casamento, vazio.
- Se não for tarde demais, talvez isso sirva para uma boa reflexão. – falou a filha balançando a perna cruzada nervosamente.
- Reflexão! –exclamou o pai.
- Sim, senhor. Está na hora de se perguntar e avaliar certos comportamentos.
- Tudo bem. Comecemos por você, minha filha. Quais são suas dívidas com sua mãe?
- Nenhuma. Filho não deve nada.
- Nem companheirismo, querida?Que atenção você dedica a sua mãe quando ela fica doente? Ou você acha que ainda é uma bebezinha de colo?
- Ora, papai, você bem sabe do que estou falando.
- E vocês rapazes? Quando não desaparecem, nos fins de semanas trazem as namoradas, bagunçam os quartos, sujam pratos e copos e ainda reclamam que a comida não estava boa.
- Mas ela nunca reclamou – falou o mais velho fazendo bico e franzindo as sobrancelhas.
- E por acaso vocês se davam ao luxo de ouvir as reclamações dela?
- Esperem. Ninguém aqui vai se eximir de culpas. Mas a verdade é que o recado veio através deste bolo oco de aniversário de casamento. A insatisfação dela passa por aí – disse o filho do meio, mais sensato.
- Se a indireta é para mim, por que então ela não demonstrava insatisfação? Não sou adivinho – falou o marido com ar de vítima injustiçado.
- Chega. Agora vou falar como mulher. Vocês homens sempre acham que estão acima do bem e do mal. Os reis da cocada baiana. Em nome do machismo tudo podem. Não se preocupam nem de agradar esteticamente. A pança pode crescer, as papadas podem arriar, e vivem se achando. Sem falar das grosserias. Não dispensam os shopinhos com os amigos, um joguinho de futebol na televisão e nem quero falar das puladas de cercas. Uns egoístas é o que vocês são. Por isso não são capazes de perceber as insatisfações da mulher.  Até que um dia vem a surpresa.
- Quero saber o que foi que você ganhou até agora com sua sabedoria feminista – disse o pai.
- Independência.
- E quem cria sua produção independente? O pançudo aqui – falou o pai olhando o neto que adormeceu no sofá.
- Está alegando?
- Não, estou sendo coerente.
- Calma gente. Não devemos dar tiros n’água, transformando um ambiente, até hoje saudável, numa batalha naval sem sentido – disse o filho sensato.
- Tiro n’água coisa nenhuma. O alvo é o comandante aqui, que se der bobeira será bombardeado. Com pouco vão dizer que eu sou o sequestrador.
Nisso a campainha toca. É a vizinha.
- Olá gente! Já tiveram notícia de Rosa, se tudo correu bem?
- Quem lhe contou? Essa notícia não poderia vazar.
- Se vazou não foi por minha culpa, não falei pra ninguém da cirurgia.
- CIRURGIA! Gritaram em coro.
- Ai, Jesus! Que fiz eu – falou a vizinha pondo a mão na boca.
- Estamos aqui aflitos, sem saber do paradeiro de Rosa, ameaçados por um seqüestrador e agora você me pergunta se tudo correu bem na cirurgia? Cirurgia de quê, criatura? Ela estava doente por acaso?
- Vocês não sabiam?- perguntou a vizinha.
A filha desabou a chorar - Vai ver ela falou e ninguém prestou atenção. Não a merecemos.
- Mas ela disse que era segredo, que ninguém deveria saber e que só estava me contando porque se algo desse errado eu receberia um comunicado da clínica, que estaria com meu número do celular. A cirurgia seria pela manhã e se não recebi telefonema nenhum, é porque tudo deve ter dado certo. Não se aflijam. Mas vocês falaram em seqüestrador?
- Ai gente! Não tenho forças para explicar nada agora. É drama demais para minha cabeça – disse o marido.
O filho explicou a situação para a vizinha que olhava confusa para o bolo.
- Que estranha coincidência, um telefonema de seqüestro e um bolo no dia da cirurgia – disse a vizinha meio receosa.
- Quero saber tudo o que minha mulher conversou com a senhora – disse o marido puxando uma cadeira para a vizinha.
- Não sei muita coisa. Acho que ela me comunicou apenas porque sou vizinha de porta de vocês e qualquer coisa que acontecesse seria mais rápido dar a notícia. Nem mesmo sei o tipo de cirurgia e qual a clínica. Mas ela não me pareceu doente ou abatida, pelo contrário, estava bem risonha ontem.
 - A que horas ela esteve com a senhora – perguntou a filha.
- À tardinha, quando chegava da rua, e não demorou muito. Foi só o tempo de tomar um cafezinho que eu estava passando.
- Só tem uma hipótese – falou a filha.
- Qual? Perguntou o pai.
- Só uma cirurgia plástica deixa a mulher alegre de véspera - disse a filha.
- Então é isso. E também o motivo do segredo. Ela quis fazer uma surpresa a vocês – falou a vizinha tentando acalmar a todos.
- Mas isso não explica o telefonema do suposto seqüestro – falou o marido.
- E se a cirurgia for numa dessas clínicas clandestinas- argumentou o filho mais velho.
- Dessa forma não temos como constatar, e, se algo der errado ela própria será a responsável. Numa clínica séria, ou num hospital, alguém teria que assinar um termo de responsabilidade – disse o marido em tom de zanga.
O afilhado foi saindo sem ninguém perceber.
- Acho que o delegado tem razão quando disse que ela armou a situação – disse o filho caçula.
- Vamos ligar pra ele e falar da tal cirurgia. Peça para Fifi ligar – falou o pai.
- Por falar nele, não o estou vendo por aqui – disse a filha.
- Quem é Fifi?- perguntou a vizinha.
- É o afilhado dela. Saiu sem falar com ninguém? – perguntou o pai.
- Ele não encontrou o que esperava, e aí saiu à francesa – disse o filho mais velho.
 - Posso dar uma sugestão? – perguntou a vizinha.
- Claro! Qualquer sugestão será bem vinda – disse o marido agora mais calmo.
- Com certeza ela não mentiu quando me falou da cirurgia. Acho que vocês não devem se apavorar. Todavia creio que estava insatisfeita com alguma coisa, e se ela não estava doente a cirurgia deve ser estética. Por que vocês não tentam ligar para alguns hospitais ou clínicas mais conhecidas?
- É uma idéia que não devemos desprezar. Mas, se realmente ela foi seqüestrada? – questionou o marido.
- Antes devemos por o delegado informado, pai – disse o filho mais velho.
- Vou ligar e deixá-lo a par da situação – disse o marido.
O marido relatou os últimos acontecimentos para o delegado e este se comprometeu a investigar a possibilidade de Esmeraldina está internada em uma clínica.
O telefone tocou e todos pularam em cima do aparelho gritando: ALÔ, ALÔ!
O neto acordou e disse ter sonhado que a avó voltava, mas, ninguém lhe deu atenção e ele danou-se a chorar.
- Alô, quem fala?- a filha havia vencido a corrida pelo telefone.
- É o delegado. Devo dizer que ela não está em nenhuma dessas clínicas e hospitais conhecidos. Talvez tenha ido para outra cidade. O suposto sequestrador voltou a ligar?
- Não.
- Temos que procurar saber se ela viajou. Talvez a plástica tenha sido com o Pitangui. – disse o delegado meio ironizando.
A filha fez um gesto negativo com o polegar e todos levaram a mão à cabeça.
O neto continuava chorando.
- Cale a boca menino! Disse o avô.
- Quero minha avó, ela prometeu me levar com ela pra São Paulo.
- Quando foi que ela prometeu isso a você, meu bem? Perguntou a mãe do garoto.
- Quando voltei da escola. Pergunte a Fifi, ele estava dirigindo o carro dela no dia.
- Que dia, filhote?
- No dia da prova de História, terça-feira.
- E o que foi que Fifi falou?
- “Garoto de sorte, você. Queria eu ter uma avó dessas”. E depois, na hora de sair, ele disse: combinado, vai dar tudo certo - o neto falou enxugando as lágrimas.
- Combinado o quê? - perguntou o avô.
- Sei lá, vô.
- Esse moleque combinou alguma coisa relacionada com o episódio. Vamos informar ao delegado – disse o marido desconfiando da saída sorrateira do afilhado de Esmeraldina.
- Deixe de loucura, pai. Deve ter sido promessa de dinheiro – falou a filha.
- Esse rapaz é diabólico. Veio aqui para constatar o clima de preocupação e depois saiu sem falar com ninguém – disse o pai.
- É mesmo. Em se tratando de Fifi tudo é possível. Lembra quando ele desligou o disjuntor geral de energia, em final de jogo da copa, e todos pensaram que realmente estava faltando luz? - falou o filho do meio.
- E foi o próprio que se ofereceu para averiguar, dizendo que estava tudo bem no quadro de luz. Depois de meia hora ele ligou. Quem o viu, rindo e mexendo no quadro, foi a empregada – falou a filha.
- Será que ele seqüestrou a vovó?
- Doidice tem limite, mas acho que ele sabe onde ela foi, quero dizer, a clínica. Talvez esteja até com o carro dela. Vou ligar para o delegado – disse o marido todo decidido.
- Bem, esta notícia dá margem para muitas deduções – disse o delegado. Vou intimar o tal Fifi. Como é mesmo o nome dele?
- Filipe, com i mesmo. Foi registrado assim. Mas, cuidado. Talvez nada tenha a ver com o caso.
- Veremos.
Passava das onze da noite e Fifi não foi encontrado em sua residência. O celular dele só dava caixa. O delegado ligou para a família da sequestrada:
- Aí tem coisa – disse o delegado no telefone.
- Talvez ele tenha ido ao cinema – falou o filho caçula respondendo ao delegado e desligou.
- Não é possível. Quem teria cabeça para ir ao cinema num clima desses? – falou o marido.
- Ele teria – falou a filha.
O telefone toca outra vez.
- Alô! - atende o marido tremendo.
Alô! Como vão as coisas?
- Quem está falando?
- É o Fifi.
- Seu sem vergonha! Foi você quem armou tudo. O delegado já está sabendo e vai intimá-lo. Diga logo onde está minha mulher se não quiser piorar as coisas pro seu lado.
- O senhor está querendo me responsabilizar pelo desaparecimento de minha madrinha? Arranje outro bode expiatório – falou Fifi insinuando algo.
- Você veio aqui só pra constatar o clima e foi saindo de fininho. Fingindo-se de inocente seu dissimulado diabólico.
- Vou fingir que não ouvir isso para o bem de todos. E se o delegado me intimar tenho muito a revelar.
- Revelar o quê, seu mentiroso.
- O senhor bem sabe.
Fifi desligou o telefone rindo. Ele costumava aprontar esse tipo de situação, insuflando pelo telefone e desligando no meio da confusão. Gostava de dar sumiço nas coisas e ficar observando a confusão da procura. Mas não se pode afirmar que seria capaz de fazer alguma maldade com a madrinha, que ele dizia gostar muito e que o acudia nas horas difíceis. Talvez estivesse conivente com o plano dela. O de dar uma lição, como suspeitava o delegado.
 A filha sugeriu cortar o bolo. A vizinha se ofereceu para satisfazer a curiosidade.
- Parece de isopor –  ela falou enfiando a faca.
- Vamos separar as duas partes, a de cima da de baixo – falou a filha.
- Pronto, separei. São duas caixas redondas de isopor, uma maior em baixo e a outra menor em cima.
- O que é isso aqui dentro gente? Perguntou a filha. Parece um saquinho cheio de pedrinhas.
O que vocês estão dizendo? Perguntou o pai.
- Veja pai.
Trêmulo, o marido de Esmeraldina não se arriscou a abrir o pacotinho.
- Dê-me aqui pai – disse o filho mais velho.
- São quatro pedrinhas – ele falou mostrando ao pai.
 - São quatro pedras, uma para cada um de nós – disse o pai.
- Por que, cada um de nós? Tire-me dessa – disse a filha.
- De mim ela não tem o que dizer – disse o mais velho.
- De mim também, disse o do meio.
- Só resta a mim – disse o pai. O diabo tem pança.
- Não estamos lhe acusando de nada. O senhor foi quem levantou a hipótese de que era uma pedra para cada um. Aliás, pensando bem, ela andava meio arredia depois daquela foto que mandaram – disse a filha.
- Que foto? Perguntou o filho mais velho.
- Pergunte a papai.
Não estou sabendo de nada – disse o filho do meio.
- Mandaram uma foto da chapa de meu carro dizendo que eu estava numa fila de motel no horário de almoço.
- E aparece o nome do motel? Perguntou o filho mais velho.
- Claro que não. Eu lá sou homem de andar em motel – o pai respondeu sem encarar ninguém e puxando o nariz para baixo.
- Deve ter sido foto de celular – disse a filha.
- E onde está a foto? Perguntou o filho do meio.
- Está com ela, sua mãe. Mulher é assim, acredita em todo absurdo contra nós maridos.
- Absurdo é não ter o mínimo de cuidado na hora de pular uma cerca elétrica – disse a filha.
- É bom parar por aí dona moça. Vou fazer de conta que não ouvi. Essa foto só pode ser arte do Fifi, que anda pra baixo e pra cima com a tal câmera digital.
- Até o telefonema do tal seqüestrador pode ter sido trote do Fifi – disse o filho mais velho.
A vizinha escutava tudo sem falar nada como se estivesse querendo decifrar um enigma. Ela costumava elogiar essa família, achando que todos ali eram unidos e felizes, motivo de comentários invejosos por aqueles que os tomavam como exemplos de pessoas alegres, e sem problemas. Num determinado momento, porém, tentou acalmar a discussão.
- Creio que está havendo uma precipitação no julgamento do caso. E se tudo não passar de uma brincadeira? Afinal não podemos esquecer que até agora vocês viviam na mais perfeita harmonia e eu mesma sou testemunha disso. Não foram poucas as vezes que participei de alegres reuniões nesta casa. Vamos ter calma e aguardar. Tenho certeza que ela vai voltar bem.
O neto continuava amuado e reclamando que estava com fome. A vizinha o convidou para comer alguma coisa na casa dela aproveitando a oportunidade para sair da linha de tiro.
O delegado voltou a telefonar para saber se havia alguma novidade e ficou sabendo das quatro pedrinhas. E mais uma vez deu boas risadas dizendo:
- Estou interessadíssimo em decifrar esse enigma. Creio que o Fifi ajudará bastante, quando eu o encontrar.
O marido de Esmeraldina nada respondeu ao delegado imaginando de que forma o Fifi iria contribuir no caso. A filha notou que o pai ficara pensativo e tomou o telefone para continuar a conversa com o delegado.
- Alô! Sou eu, a filha dele.
- Quero reunir com vocês e se o Fifi aparecer não o deixe escapar.
O delegado desligou e todos ficaram a se olhar. Ninguém arriscava um palpite. O silêncio permitia que se ouvisse o cri-cri de um grilo bem distante. Sonolento, o marido de Esmeraldina falou: - bem, seja lá qual for o recado ele já está dado, não posso ficar aqui acordado, meu corpo não aguenta, vou me deitar. O delegado acha que não devemos nos preocupar.
Ninguém quis contestar o pai, e adormeceram na sala juntamente com o neto que a vizinha havia trazido bambo de sono.
A manhã do domingo, apesar de ensolarada, trazia o amargor das ressacas de porres, que deixa a língua esbranquiçada. Não havia mesa posta nem café cheirando na cozinha. O bolo oco, em cima da mesa, atraiu formigas de açúcar, que na visão pequenina destas monomorium pharonis, o mundo é doce.
  Os homens ainda estavam escornados quando a filha da “sequestrada” acordou. Sem querer fazer barulho, para não acordar principalmente o garoto, que iria procurar pela avó, ela foi direto ao telefone falar com o delegado.
- Oi, seu delegado! Alguma notícia?
- Não. Estou pensando em botar a imprensa na situação, inclusive alertando que, se for um falso seqüestro, ela irá responder a processo. Brincadeira tem limites e conseqüências. E o tal Fifi, apareceu?
- Não. Vai ser um escândalo na família. Vamos aguardar mais um pouco.
- Vocês é que sabem. Caso mudem de idéia me avisem. Esse sumiço do Fifi também está estranho. Sugiro a vocês darem uma incerta na casa dele.
- Acho que o senhor tem razão, logo lhe darei um retorno, obrigada.
Mas, antes de acordar a turma, ela foi até a casa da vizinha pedir um cafezinho. Tocou a campainha e notou que a vizinha demorou a atendê-la. Havia um “olho mágico” na porta, portanto ela deveria saber quem estava chamando. Olhou para o relógio para confirmar se não era muito cedo e constatou: 8:30hs.. A vizinha sempre madrugava, não havia problema em esperar. Enfim, a porta se abriu, e, a vizinha meio assustada, olhando pra dentro e pra fora, deu bom dia e perguntou: ela apareceu?
- Até agora não. O delegado está pensando em falar com a imprensa e alertar para um possível falso seqüestro. Caso se confirme, haverá conseqüências e a mãe terá que responder a processo. Ela, e, quem estiver na brincadeira.
- Deus me livre – disse a vizinha quase gritando. O que deixou a filha de Esmeraldina meio cismada, pois até aquele momento ela, a vizinha, não a tinha convidado para entrar.
- Então? Não vai me convidar para entrar e tomar um cafezinho? Estou sem ânimo  e o pessoal está esgotado. Ainda dormem.
- Espere um momento – disse a vizinha – vou fechar aqui e abrir a porta de serviço.
A filha de Esmeraldina ficou ainda mais cismada com a atitude da vizinha. Porta de serviço? – se perguntou.
- Entre querida, diretamente na cozinha é mais prático, deixo sempre a porta para a sala fechada para evitar que a gordura entranhe na sala.
- A senhora está bem? Perguntou a visitante para a vizinha.
- Sim, sim. Por que não haveria de estar?
- É que tive a impressão que a senhora estava tremendo.
- Eeeuu, que nada!
- Pois é. O delegado acha que o seqüestro é falso, e, se ficar provado, ela irá responder a processo. Prefiro aguardar mais um pouco, talvez ela apareça sem nenhum dano.
A filha agradeceu o café e retornou pensativa. Chegando em casa perguntou para o garoto, que já havia acordado, a respeito do lanche, se foi na cozinha ou na sala da vizinha.
- Foi na cozinha, mãe. Ela entrou pela área de serviço, fez um sanduíche e me deu com limonada. Depois eu vim pra casa.
- Estranho essa atitude da vizinha de receber na cozinha, achei que ela ficou tensa quando falei de.. ... chame seu avô, filho.
- Vô, a mãe quer falar, acorda!
- Estou exausto. Se sua avó queria me castigar, já conseguiu.
- Quero minha avó – disse o garoto
- Todos querem, mas parece que ela é que não.
- Pai, estive na casa da vizinha, hoje cedo e a achei muito estranha.
- Não entendi. Por quê?
- Quando falei que o delegado estava desconfiado de um falso seqüestro e as conseqüências, ela me pareceu preocupada e trêmula. Recebeu-me na cozinha e com a porta da sala fechada.
- Ouviu isso filho? Perguntou o pai ao filho mais velho que estava se espreguiçando no sofá.
- Será que elas combinaram o falso seqüestro, pai? Essa história de cirurgia não me convenceu nem um pouco.
- E Fifi deve estar no meio. Não apareceu mais. Vamos falar para o delegado – disse o pai.
O marido de Esmeraldina relatou suas desconfianças para o delegado e ele achou por bem dá uma incerta na casa da vizinha e na de Fifi.
- Talvez ela esteja “asilada” lá, com ou sem cirurgia plástica – disse o delegado.
- Sendo assim ela estará em maus lençóis, será processada – disse o marido.
- Sinto muito, mas é isso mesmo – falou o delegado.
- Não quero arriscar, pelo menos por enquanto.
- Bem resolvam. Vocês podem até retirar a queixa.
Se Esmeraldina estava asilada na casa da vizinha, a essa altura estaria também com medo do processo e teria que achar uma saída sem consequências para ela e os envolvidos em seu plano, já que a filha tinha falado para a vizinha do receio.
- Bem, que vocês acham? Perguntou o pai.
- Vamos à casa da vizinha e tentar captar alguma coisa – disse o pai.
- Iremos todos, para deixá-la desconfiada e assustada – disse o filho mais velho.
Na porta da casa da vizinha todos esperaram em vão que a mesma se abrisse. A campainha tocou, tocou, mas ninguém atendeu. Mais um motivo para desconfianças.
- O tempo está passando e não temos certeza de nada – disse a filha.
- E o tal seqüestrador não mais telefonou ameaçando – falou o pai.
- E o Fifi? Vamos a casa dele – disse a filha.
O apartamento de Fifi estava fechado há dias, segundo informação do porteiro.
- Por onde anda esse bandido? O marido de Esmeraldina perguntou baixinho pra filha.
- Temos que acabar com essa agonia. Vamos até a delegacia conversar com o delegado e entregar o caso. Seja o que Deus quiser. Ele acha que não há seqüestro e isto me deixa mais tranqüila – a filha de Esmeraldina falava olhando para os lados.
Na delegacia havia repórteres de plantão, ávidos por matérias. Ao perceberem o movimento se interessaram pelo assunto e, logo a notícia estava nos rádios e telejornais.
“ A polícia desconfia de falso sequestro” – dizia a matéria.
Rapidamente todos ficaram sabendo do episódio. A casa de Esmeraldina se encheu de parentes e vizinhos. O marido não sabia o que dizer ou explicar, apenas repetia: Calma gente, calma gente.
E as pessoas não entendiam porque ele estava pedindo calma. Ele deveria ser o mais preocupado - diziam no cochicho.
Os suspeitos:
A própria seqüestrada?
O Fifi?
A vizinha?
E por que não o marido? Era a pergunta que faziam após tomarem conhecimento da notícia.
O alvoroço entrou pela casa da vizinha, que estava rodeada de gente a abaná-la.
- Absurdo! absurdo! – dizia ela, ofegante. É nisso que dá ser solidário com as pessoas. Vasculharam minha casa achando que eu estava escondendo a criatura. A única coisa que sei é que ela ia fazer uma cirurgia não sei de quê. De repente, entrei numa história, como figurante, e estou virando coadjuvante. Era só o que me faltava.
Enquanto isso, Fifi, que andava silencioso, atendia a repórteres que queriam saber qual a razão dele ser suspeito:
- Como posso saber? -respondia ele irritado. Não sou detetive. Até parece piada, ter que responder por que sou suspeito. Eu nem estaria aqui, não acham?
- Mas o criminoso, muitas vezes, volta ao local do crime e até comparece a enterro – disse uns dos repórteres.
-Tá me acusando, rapaz? – Fifi falou encarando o repórter bem de perto.
A casa estava sendo televisionada e passando, ao vivo, em programas reality shows, com closes no bolo que ainda permanecia sobre a mesa. De vez em quando alguém enfiava o dedo para provar o glacê.
Foi quando o telefone tocou e uma voz firme procurava o marido de Esmeraldina.
O delegado atendeu. Todos aguardavam em silencio de olho no que o delegado falava:
- É da casa do senhor Frederico? Falou a voz do outro lado.
- Quem está falando por gentileza?
- É da Clínica de Cirurgia Plástica Body- Face.
- De que se trata senhora?
- É que a senhora Rosa Alves da Costa já recebeu alta e está esperando o marido vim buscá-la.
- Onde fica essa clínica?
- O senhor deve saber, ela fica perto da sua casa.  Disse a moça pensando está falando com o marido da paciente.
- É uma clínica nova, não? Perguntou o delegado desconfiando da confiabilidade da clínica que ele não localizou durante as investigações.
- Nem tanto, já tem um ano. Aqui antes funcionava um restaurante.
- Já sei onde é. Estarei aí em poucos minutos.
O delegado anunciou:
- Gente, creio que já localizei a sequestrada. Ou melhor, tudo indica que foi um mal entendido.
Os microfones afogaram o delegado, enquanto os familiares davam vivas, sem ainda saber o que realmente acontecera.
- Não posso adiantar nada, vou verificar. Por favor, se afastem. Seu Frederico, apenas o senhor vem comigo – disse o delegado – e entraram na viatura onde havia dois guardas na frente, sendo um motorista.
O reality show de repórteres tentou acompanhar, deixando para trás o local que serviu de cenário para a confusão. Os filhos de Esmeraldina, exaustos, afundaram nas poltronas. Enquanto isso Fifi desapareceu.
- Mais notícias depois dos comerciais – anunciou o apresentador.
O que aconteceu? Era a pergunta que todos, que acompanhavam o caso, se faziam. Nada sabiam do que fora dito ao delegado pelo telefone. Nem mesmo o marido de Esmeraldina.
Estaria ela realmente na clínica? O delegado tinha dúvidas
Chegando ao local não viram placa que indicasse algo na fachada do antigo restaurante. Por esta razão entraram e foram logo anunciando: Polícia – mostrando a carteira. A atendente levantou os braços e disse:
- O que significa isto?
- Esta clínica é clandestina – disse o delegado.
- Onde está minha mulher – perguntou seu Frederico, o marido de Esmeraldina, cuja expressão corporal lembrava o Cristo Redentor do Rio, já que a atendente era bem baixinha e ele estava de braços abertos olhando para ela.
- Oxeeente! É cada coisa que me acontece. Quem é sua mulher senhor?
- Você não ligou pra minha casa dizendo que minha mulher tinha recebido alta?
- Desculpe a ousadia, mas só se sua mulher for uma cadela.
- Como! O delegado olhava ao redor e viu várias fotos de cães e gatinhos.
- Então isso aqui  é um Pet-shopping? Perguntou o marido
- Sim senhor – respondeu a atendente atrás do balcão ainda em fase de reforma. Ao lado, um corredor com uma porta de vidro e nela escrito TOSA. - Ainda não colocamos a placa na entrada porque não ficou pronta.
- Trote, foi um trote - falou o delegado meio sem graça.
Uma dondoca foi se aproximando com uma Fox-terrier, tosada e com lacinho na cabeça. Pagou e saiu sorridente. Tinha os cabelos pretos, a dondoca, e seu Frederico imaginou como estaria a esposa com essa nova cor de cabelo. Difícil foi sair dali e enfrentar os repórteres que estavam aguardando o desfecho do caso.
- Rebate falso, rebate falso – dizia o delegado para os repórteres. E entrou na viatura com seu Frederico.
Ao chegar, em casa, notaram um clima de festa. Imaginou que todos estavam à espera de Esmeraldina que eles não encontraram.
Que dizer para os filhos?
Mas para surpresa de Frederico...
Eis que, lá estava Esmeraldina. Ou melhor, A Deusa Higea, segundo o neto. Em volta dela os filhos e o neto alisando carinhosamente o cabelo preto da avó.
- Onde você estava? Perguntava o marido aflito.
- A senhora sabia que está sendo acusada de falso seqüestro? – continuou o delegado.
Com um pequeno curativo acima dos lábios e bem abaixo do nariz, respondeu para o marido:
- Eu é que pergunto onde você estava quando lhe falei da minha cirurgia, combinando que você iria me buscar, hoje, na clínica.
- Eu juro que não sabia de nada.
- Claro. Você nunca presta atenção ao que eu falo. Estou cansada de ouvir o seu “hum, hum, já sei, já sei, depois a gente fala nisso”. E continua olhando o jogo de futebol.
- Suspeitamos até da vizinha – disse a filha.
- E esse bolo, oco, de aniversário de casamento, que significa?
- Calma, gente, deixe as perguntas para depois, vocês nem sabem como ela chegou até aqui e que cirurgia ela fez – disse o filho mais velho.
- Fale mãe – disse o filho do meio.
- Telefonei para Fifi e ele foi me buscar.
- E por que esse safado não entrou? – Perguntou o pai.
- Ele disse que está tão revoltado que nem quis entrar.
- Você não está sabendo do telefonema de um tal sequestrador seu? Perguntou o marido.
- Sequestrador! Que conversa é essa? Perguntou Esmeraldina, ressabiada e sem olhar para ninguém.
- Por isso a minha presença aqui – falou o delegado.
- O seqüestrador pediu cinco milhões – disse a filha.
- E aí, que vocês fizeram?
- Quando ele deu as suas características e lhe chamou de Esmeraldina, eu disse que não era você. Desde quando você tem cabelos pretos?
- Desde o dia em que resolvi mudar, querido.
- A senhora forjou esse sequestro? Perguntou o delegado.
- Não estou entendendo – disse a esposa ressentida.
- É muita coincidência. A senhora queria chamar a atenção de todos, segundo acaba de confessar. Cabelos pintados, cirurgia plástica bolo de casamento e agora essa tal clínica que ninguém conhecia. Sem falar no trote dizendo que a clínica ficava no antigo restaurante e que na verdade é um Pet-shopping.
- Sinto muito, mas não sei o que o senhor está insinuando. Não dei trote nenhum e nem sei o porquê de forjar seqüestro.
- Claro que não vai confessar, isto iria lhe comprometer – disse o delegado. E o bolo oco? Também não encomendou?
- Claro que não – disse com convicção Esmeraldina.
- Quem a senhora acha que poderia fazer essa brincadeira de mau-gosto?
- Alguém que sabe da minha vida – disse ela olhando ao redor.
- Seria o Fifi? – Perguntou o delegado.
- Pergunte a ele – ela respondeu e deu de ombros.
- Ele é o principal suspeito - disse o marido.
- Por quê?  – perguntou a esposa.
- Porque sabemos o quanto ele é capaz de aprontar – disse a filha.
- E o que ele iria ganhar com isso? Perguntou Esmeraldina.
- Satisfação em ver todos nós aflitos – falou o pai.
- Por gentileza, eu peço aos curiosos que se retirem – disse o filho mais velho incomodado com o empurra-empurra dos repórteres.
- É isso mesmo, saiam, por favor. Foi apenas um engano e vamos retirar a queixa – disse a filha.
- Não é bem assim, senhores – disse o delegado - A polícia perdeu tempo e essa brincadeira vai custar caro. Alguém será responsabilizado.
- Quem? Perguntou o marido olhando para a esposa com o curativo abaixo do nariz, e resolveu, enfim, perguntar que cirurgia foi aquela.
- Tirei aquele sinal horrível, e aproveitei para descansar neste fim de semana dormindo na clínica, já que você se esqueceu de ir me buscar.
O pai quis perguntar que sinal era aquele, para os filhos, mas ficou com receio de dar mais um fora na frente do delegado.
O delegado, não convencido disse:
- Vou inquirir o tal do Fifi .
- Mas, por onde anda Fifi?
- Está na vizinha, vovô.
- O quê!
- Deixe comigo – disse o delegado.
O delegado foi até a casa da vizinha e lá estava Fifi tomando um cafezinho, como se nada estivesse acontecendo.
- Bom dia, senhora. Gostaria de fazer umas perguntas ao seu convidado.
- Se o senhor está se referindo a minha pessoa devo adiantar que nada tenho a declarar, apenas prestei um favor atendendo ao pedido de minha tia.
- Que pedido?
- O de ir buscá-la na tal clínica.
- E os trotes? E o Bolo oco?
- Não tenho nenhuma participação nisso e estou muito decepcionado com todos.
- Isso não vai ficar assim – disse o delegado pensando mais nos trotes que no Bolo e voltou para casa de Esmeraldina.
 Chegando lá encontrou a casa mais calma. A Deusa Higea com o neto no colo e os outros planetas tentando voltar à posição de alinhamento. Ninguém se atrevia a perguntar pelo sinal extirpado. Haveria realmente um sinal?
De repente um telefonema, sem identificação. Uma voz meio falsete, no celular de seu Frederico, que estava sobre a mesinha da sala e foi atendido pelo filho mais velho, perguntava assim: gostou do bolo querido?
O filho não quis revelar o ocorrido e disse que foi engano, olhando para o pai, que estava da cor da parede recém pintada de branco gelo.
Logo depois Fifi foi entrando, olhando para todos, com ar teatral de decepção.
E o delegado saiu prometendo desvendar aquele mistério.
Mas, esse é o tipo de mistério que só uma mulher pode decifrar.

























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